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Tédio e Cura

POR JÚLIO SAMPIETRO

É alta a madrugada... 


O sono é meu desejo, mas o corpo sugere a companhia da insônia... Levanto da cama que se assemelha a um lençol de espinhos, de fantasias espectrais. Dirijo-me à sala e observo a rua deserta, envolta em negritude.


Chove torrencialmente! Trovões atemorizam sob o comando das correntes elétricas com seus raios fulminantes! Da janela vejo o redemoinho, em espiral, arrastando e sugando lixos para a “boca-de-lobo”, numa ruidosa vazão das “águas de março”.


As luzes da casa apagam. Acendo a vela e no bruxuleio da chama inquietada pelo vento, sou conduzido ao passado, no tempo de meus usos e costumes retrógrados.


As nuvens roubam o brilho da lua, toldando a Terra num crepúsculo “ad-aeternum.” O que passa na cabeça? Não dá lugar ao sono! Aprisiona-me numa redoma, na agitação entediada ou na procura de algures não sei o quê? O bafo do vento pode dar uma resposta durante o sibilo de suas arremetidas na janela? A sabiá, na laranjeira, pode dizer algo, ou seu gorjeio madrugador é simplesmente chamar a atenção do sol? Como lutar quando as coisas nos acometem desordenadamente? Seriam falsos prenúncios, confundidos pela inversão entre o certo e o errado, entre o bem e o mal?


É preciso verticalizar o pensamento para as alturas (em Deus), adotar uma direção horizontal (na Terra), a fim de seguirmos em paz e proteção divinas. Dizem que no tédio, as almas são folhas de outono que caem e vão perdendo a vida, assim como os alfarrábios vão perdendo a cor.
Não! Que jamais eu seja assim!


As luzes da casa voltam a acender... Aos poucos tudo volta a ter sentido. Devo avaliar a magnitude da alvorada que engolfa as noites com as rutilações de um dia que nasce; devo entender que as noites mal dormidas, são algemas para quem ama e trabalha pelo progresso pessoal e comunitário.


Então, nesta madrugada insigne e em todas outras que surgirem igualmente apáticas, direi o seguinte:
- Estes ventos contrários, são bênçãos que vem do céu, a fim de tirar de dentro de mim, as tristezas que se condensam na alma!

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